Onde ficam esses países? Por que estão em guerra? Será que essa guerra chegará ao Brasil?
Sempre estivemos em guerra, e isso, infelizmente, não é ficção! Continuamente há países enfrentando alguma situação de instabilidade política. Nossa exposição a esse conteúdo se agrava, pois informações em tempo real nos trazem detalhes do horror enfrentado pelos envolvidos no confronto entre a Rússia e Ucrânia. Manchetes e vídeos transbordam as redes sociais. Estamos todos expostos a esse conteúdo tóxico e pouco podemos fazer para interromper ou reduzir os danos causados às pessoas que sofrem diretamente com esse acontecimento.
Como estamos enfrentando esse momento histórico? As tensões e disputas sempre existiram e vão continuar existindo. Nós, ocidentais, arcamos econômica e historicamente com as consequências, mas há aqueles que a suportarão com a própria vida!
“War! It’s an enemy to all mankind.” Guerra! É um inimigo para toda a humanidade.
(Trecho da música: War. Autor e Intérprete: Starr, Edwin, 1970).”
Novamente nos deparamos com o mundo em crise, logo após o longo e doloroso período de pandemia do Covid 19. E, como hoje em dia as notícias são divulgadas a todo tempo e em velocidade, as perguntas capciosas das crianças não demoram a ser apresentadas: Estamos em perigo? Vamos perder nossos pais/familiares? Como podemos nos proteger?
Como educadores e pais, seguimos tentando equacionar essas emoções e tensões, sem deixarmos nossas funções diárias. Somos adultos, não temos escolha. Precisamos conhecer e enfrentar nossos medos e ansiedades. E as crianças? Como responder às suas inquietações e anseios? Será que estamos acolhendo-as o suficiente? Sanando suas dúvidas? O que podemos fazer?
É possível sermos empáticos e acolhedores sem sabermos, com propriedade, do que se trata toda essa tensão mundial; mas quando alcançamos um conhecimento mais refinado, nos sentimos mais confiantes para tratarmos do tema, principalmente com pessoas mais vulneráveis, como crianças e idosos.
Fale a verdade
Falar a verdade, de forma simples e eficiente, respeitando-se a faixa etária e adequando-se a linguagem da informação é a grande resposta. É preciso, também, não desprezar a capacidade intelectual infantil, permitindo às crianças conhecerem o contexto histórico, social, econômico e político das nações envolvidas, os agravantes da disputa e as consequências sociais e econômicas que essa guerra pode nos acarretar.
As crianças estão atentas a tudo!
Não será prudente tentar protegê-las das notícias, evitando de toda maneira que presenciem o que julgamos inadequado à sua idade, uma vez que as crianças recebem praticamente as mesmas informações que recebemos! Elas estão presentes nos mesmos ambientes enquanto assistimos aos jornais, utilizam nosso computador e presenciam comentários em casa e na escola, com seus colegas. As crianças percebem as emoções e estão atentas a tudo; muitas vezes, pressentem também nossos medos e ansiedades! É uma atitude inocente acreditar que uma criança quando está por perto, brincando, lendo ou assistindo a algo na TV, esteja alheia aos nossos comentários. Se para um adulto é natural sentir-se desconfortável com o que estamos vivenciando, imagine a um infante, que fisiológica e emocionalmente não está ‘pronto’ a compreender o que tem acontecido com o mundo!
“As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios provam apenas que a vida prossegue, e nem todos se libertaram ainda.”
(Andrade, Carlos Drummond de Os ombros suportam o Mundo. In: Sentimento do Mundo. 1940)
As crianças desta geração são as que possuem os cuidadores mais preocupados com a saúde emocional dos seus filhos. O movimento social tem trazido evolução nas percepções sobre a importância do afeto, do apoio emocional, da educação não-violenta e de inúmeras ações parentais mais harmoniosas. Estamos à frente das gerações anteriores no que se refere ao amparo e à compreensão das características infantis. Continuemos a buscar o equilíbrio entre afeição e limite.
Para falar sobre a guerra com crianças é preciso observar o cuidado emocional de cada fase
Caso já tenha sido interpelado por alguma criança com perguntas desse teor, tenha em mente que o caminho é conhecido: Dedique um tempo de qualidade para ouvi-la! Tente compreender suas ansiedades, medos e dúvidas e deixe que exponha, com calma, o que tem pensado sobre o tema. Pergunte onde e em qual momento conseguiu tal informação. Pode ser que a dúvida seja mais fácil de ser respondida do que se espera. Crianças precisam se sentir participantes e dignas de opinião. É o momento ideal para que, juntos aos seus pais, pessoas que as orientam e lhes apresentam valores, elaborem seus conceitos e se tornem cidadãs engajadas.
“I didn’t raise my boy to be a soldier, I brouth him up to be my pride and joy.”
“Eu não criei meu filho para ser um soldado, eu o eduquei para ser meu orgulho e alegria!”.
(Trecho da música: I didn’t raise my boy to be a soldier. – Considerado o primeiro hino anti-guerra – Bryan, Alfred, 1914.)
A escola pode auxiliar na compreensão desse tema pelas crianças?
De acordo com as teorias da aprendizagem, crianças até aproximadamente dez anos precisam experimentar esse processo de forma concreta. Nesse caso, seria interessante iniciar o diálogo com um Mapa Mundi, mostrando o local do conflito. Mais perguntas surgirão e os adultos podem pesquisar sobre a distância do Brasil até o local, os presidentes e um pouco da cultura. Não é necessário se aprofundar no tema ou mostrar fotos da guerra em si, apenas sanar questionamentos e mostrar que o conflito acontece em um lugar real, com pessoas reais. Por ser um conteúdo sensibilizador, use de cautela ao selecionar o que será visto.
Informe à criança que o confronto tem sido observado por todo mundo e há pouca possibilidade que ele se estenda, nessa forma de guerra. Exponha que situações dessa natureza já acontecem há muito tempo, por mais terríveis e cruéis que sejam. Se permanecerem com medo da proximidade do confronto, acalme-os. Peça paciência e que nesse momento não há motivo de se ter medo, se algo mudar serão orientados de como agir. Uma estratégia é desviar a atenção para alguma boa ação concreta. “Que tal separar objetos sem uso, brinquedos e roupas para doação?” Por mais que não seja viável enviar ao local da guerra, sempre há uma fundação de amparo, creches e pessoas em situação de extrema pobreza que podemos ajudar!
Explique que, mesmo indiretamente, estamos todos arcando com as consequências financeiras desse momento e sabemos que as camadas populares sofrem ainda mais. São atitudes simples que trazem benefícios aos que recebem e mais aos que praticam. Oportunizar a colaboração favorece a construção de um caráter consciente da responsabilidade social que temos diante do mundo. Se não podemos evitar, nem parar uma guerra, podemos acolher e contribuir com os que diariamente vivem como se estivessem naquele lugar. Não podemos nos permitir embrutecer e pensar tais situações são normais e por fim, não podemos nos cansar de fazer o bem.
“Tempo virá, tempo virá, que uma vacina preventiva de erros e violência se fará, as prisões se transformarão em escolas e oficinas.
E os homens, imunizados contra o crime, cidadãos de um novo mundo, contarão às crianças do futuro histórias absurdas de prisões, celas, altos muros, de um tempo superado.”
(Lins, Anna. Poesia: Tempo virá. In: O poema dos becos de Goiás e histórias mais. 1965)
Texto escrito por • Érica Gomes Muniz Lisboa
Professora dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Licenciada em Pedagogia com Ênfase na Educação Infantil, Alfabetização e Letramento pela PUC-Minas.