“Navegar é preciso, viver não é preciso”.
“Assim diz o Senhor, o que preparou no mar um caminho, e nas águas impetuosas uma vereda...” (Isaías 43:16).
Há uma cena terrível no filme “Mar em Fúria” produzido no ano 2000 e estrelado pelo renomado ator George Clooney. Trata-se de uma história verdadeira. Em 1991, um grupo de pescadores partiu do porto de Marblehead no estado de Massachusetts, onde naquele momento, a pesca estava sendo muito escassa e se dirigiram para Cape Flemish onde, segundo foram informados, havia possibilidade de pescaria abundante. A empreitada deles foi bastante bem-sucedida, mas na hora do retorno para casa na pequena cidade de Gloucester, foram surpreendidos por uma absurda tempestade. Segundo os meteorologistas, esta foi uma das maiores da história. As ondas alcançavam a altura de um edifício de 10 andares. A coisa foi tão grave que o escritor Sebastian Junger, que transformou esse acontecimento em livro, chamou-a de Perfect Storm ou Tempestade Perfeita. Como encontrar um caminho em um mar tão bravo, em meio a um impiedoso ciclone tropical? Como encontrar uma vereda em águas tão tremendamente impetuosas?
Bem, não é que a vida seja semelhante, em cada um dos seus momentos, a um furacão a nos atingir permanentemente. No entanto, é indiscutível que ela nos surpreende sempre. Como nos questiona Tiago em sua reflexiva carta: “Eia agora, vós que dizeis: hoje ou amanhã iremos a tal cidade, negociaremos e ganharemos. No entanto, não sabeis o que sucederá amanhã. O que é a vossa vida? Sois um vapor que aparece por um pouco e logo se desvanece” (Tiago 4:13-14). Entretanto, apesar das incertezas, é preciso navegar.
Nesse caso, navegar é preciso, ainda que haja riscos a correr. Uma forma de entender essa expressão é que, considerando a instabilidade do mar, das condições climáticas, das circunstâncias da existência, navegar exige grande precisão. Exige-se preparo, foco, planejamento e a maior clareza possível quanto ao destino que se deseja alcançar. Para que esse fim seja alcançado é fundamental um bom manejo dos instrumentos náuticos, o que implica, no caso dos nossos estudantes, conhecimento cada vez mais aprofundado das ciências, capacidade reflexiva e, na base de tudo, um caráter bem construído.
O fato é que, a invenção dos primeiros instrumentos náuticos foi fundamental, por exemplo, para as grandes descobertas marítimas dos séculos XIV, XV e XVI. Desde o antiguíssimo astrolábio, usado para medir a altura dos astros acima do horizonte e para determinar a posição dos astros no céu; passando pelo quadrante, permitindo determinar a distância entre o ponto de partida e o lugar onde a embarcação se encontrava; e, é claro, a bússola, o instrumento de navegação mais usado durante os descobrimentos, composto por uma agulha magnetizada colocada em um plano horizontal e suspensa pelo seu centro de gravidade, apontando sempre para o eixo norte-sul seguindo na direção do norte magnético da terra; até aos computadorizados instrumentos náuticos contemporâneos, busca-se precisão diante da instabilidade da vida e do mundo.
Mas, pode-se pensar na expressão “navegar é preciso, viver não é preciso”, em uma outra perspectiva. O célebre escritor e filósofo Plutarco narrou em seu livro Vidas Paralelas, que o grande General Pompeu, se dirigiu aos seus exaustos soldados diante da possibilidade de mais uma batalha no mar, da seguinte maneira: “navigare necesse; vivere non est necesse…” O que ele quis dizer era que navegar era mais importante do que viver, quando se luta por um grande ideal, quando se luta pela pátria, quando se luta por um sonho, quando se luta pela segurança de suas famílias. A vida singularmente pode ser perdida, mas se a vitória é alcançada, todos, universalmente portanto, são beneficiados. Essa tensa experiência dos soldados romanos diante do temor pela vida individualmente falando e a inspiração de um grande sonho ou ideal encontra eco nas inesquecíveis palavras de Jesus de Nazaré: “Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, e quem perder a sua vida por amor de mim, achá-la-á” (Mt. 16:25).
Mas há, ainda, uma outra possibilidade para compreendermos a expressão “navegar é preciso, viver não é preciso”. Podemos pensá-la a partir de um poema de Fernando Pessoa intitulado “Navegar é Preciso”:
Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: “Navegar é preciso; viver não é preciso”. Quero para mim o espírito [d]esta frase, transformada a forma para a casar com o que eu sou: Viver não é necessário; o que é necessário é criar. Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.
Navegar para o grande poeta é permanente possibilidade de exercício de capacidade criativa, certamente relacionada com uma vida marcada por ações que fazem sentido, que deixam marcas profundas, que são dignas de serem lembradas. Pensando assim, a vida regida por rotinas sem fim ou pela mesmice de quem não quer se arriscar um pouco além de sua zona de conforto, perde de modo crescente significado e valor. É como dizia Cecília Meireles: “A vida só vale a pena se for reinventada”.
Como resgatar objetivos pessoais dos estudantes em um mundo instável? Mais do que apresentar a eles algumas fórmulas de sucesso que enchem as páginas dos livros de psicologia de autoajuda poderíamos, como Educadores e famílias, contribuir para o processo reflexivo dos nossos jovens lembrando-lhes que Deus preparou para cada um deles um caminho nesse mar de instabilidades, de lutas renhidas, de vitórias e derrotas, de altos e baixos, de sorrisos e lágrimas. Por isso mesmo, desejamos que o Cristo de Deus, inigualável piloto que acalma as águas do mar e amansa o poder do vento forte, possa conduzir nossas frágeis embarcações de tal modo a chegarem ao destino da realização dos mais acalentados sonhos da alma. O barco daqueles marinheiros de Gloucester, chamado por eles de Andrea Gail, desapareceu no meio da tempestade. Entretanto, quando se trata do que podemos fazer de nossas vidas, que Deus esteja com cada um dos nossos estudantes, ajudando-os a compreender que é preciso navegar sempre mesmo quando tudo parece desfavorável; que é básico viver uma vida comprometida com os mais profundos sonhos e ideais; que é preciso transformar cada ato da existência em oportunidade de criação.
:: Pastor Rubens Eduardo Cordeiro – Capelão Geral da Rede Batista de Educação