Pense nos diversos tipos de sons que você ouve o dia inteiro. O som da casa quando as pessoas vão acordando, o som da rua, o burburinho dos estudantes chegando à escola. Enfim, estamos rodeados de sons o tempo todo.
No entanto, lhe pergunto: será que estamos nos escutando, escutando o outro, escutando o mundo e escutando a voz de Deus?
Madre Teresa de Calcutá dizia que a maior doença do nosso tempo é a incapacidade de se escutar o outro e de aceitá-lo, assim como é. Vejamos como podemos melhorar nossa escuta.
Escutando a Si Mesmo
São tantos sons que ouvimos que não tomamos consciência da maioria deles e nem escutamos a nós mesmos.
Uma expressão muito usada por Jesus era: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (Mt 11.15; 13.9, 43; Mc 4.9, 23; Lc 8.8; 14.35). O Mestre dos mestres não falava dos ouvidos naturais e biológicos, mas de um tipo de escuta especial, um ouvido interno, que nos capacita a ouvir nossa voz interior.
Essa voz, também chamada de Consciência, é a nossa capacidade interna de observar e avaliar nossas ações. Ela influencia a maneira como nós dirigimos nossos impulsos e revela os valores que nos formam como pessoas. Quando não ponderamos e meditamos antes da tomada de uma decisão, somos impelidos a tomar decisões de forma precipitada e a nos arrepender do que dissemos ou fizemos, com dificuldades em voltar atrás.
Escutar a si mesmo nos ajudará a sermos organizados e a termos autodisciplina para atingirmos nossos objetivos.
Escutando o Outro
Dos muitos sons que ouvimos, poucos são escutados realmente por nós, não é verdade? Quando alguém fala conosco, é mais um desses sons diversos que nos alcançam, mas muitas vezes, não obtêm a nossa atenção.
No entanto, quando uma pessoa humana nos dirige a palavra é importante darmos atenção, pois essa pessoa precisa de uma resposta. E essa resposta, na maioria das vezes, é dada em forma de uma escuta atenta ao que o outro quer nos falar.
Essa ação relaciona-se com a virtude do caráter Disponibilidade, pois a pessoa disponível é aquela que encontra tempo em sua agenda para também acolher o outro, seja pelo olhar, por algum gesto ou até mesmo pelo silêncio, que é também uma forma de escuta.
Jesus é, de novo, um grande exemplo de escuta atenta: ouviu a mulher samaritana à beira do poço, escutou Nicodemos, à noite. Até mesmo na cruz, escutou e acolheu o ladrão arrependido.
Escutar o outro em sua dor, alegria e necessidade, nos ajuda a desenvolvermos nossa capacidade de socialização.
Escutando o Mundo
Outra escuta importante que precisamos desenvolver é a escuta do mundo, ou seja, perceber o que acontece à nossa volta. Sair de nosso “mundinho” e abrir-se para novas experiências e abandonar o tipo de vida individualista para a qual somos convidados no atual contexto social, com ideias egoístas que ouvimos a todo tempo, como por exemplo: “priorize a você mesmo e dane-se os outros!”
Escutar o mundo relaciona-se com a Transcendência, que é a capacidade de uma pessoa “ir além” de si mesma, ao encontro dos outros. Isso ocorre na medida em que somos capazes de “sair” de nós mesmos, deixar nossa comodidade e ir ao encontro de nossa missão no mundo.
Escutar o mundo é estar em prontidão diante dos chamados urgentes do mundo à nossa volta e experimentar a alegria de servir o próximo e sentir-se realizado com tais ações. É estarmos disponíveis para, até mesmo, mudarmos nossos planos, a fim de ajudarmos em projetos humanitários, por exemplo.
Escutar o mundo possibilita que estejamos abertos às novas experiências.
Escutando a Deus
Ouvir a voz de Deus é uma disciplina espiritual que precisa ser resgatada e praticada por todos os seres humanos. Claro está, que quando ouvimos nós mesmos, o outro e o mundo, estamos também ouvindo, de certa forma a voz de Deus, que nos alcança de diversas formas e maneiras.
No entanto, há uma maneira objetiva de escutar a voz de Deus: por meio de Sua Palavra, a Bíblia Sagrada. O apóstolo Paulo nos ensinou que a “a fé vem por ouvir a mensagem da Palavra de Deus” (Romanos 10.17). Quando estamos dispostos a ouvir a Palavra de Deus em linguagem humana, concentramos nossa mente e o nosso coração em Deus, para que Ele nos direcione na tomada de decisões e nos impulsione a seguir na direção correta.
A Bíblia nos ensina que o começo do encontro com Deus é a escuta: “Ouve, ó Israel, o que Deus vai lhe falar” (Deuteronômio 6.3). Nossa resposta deve ser como a do adolescente Samuel: “Fala, Senhor, que teu servo escuta” (1 Samuel 3).
Hélio Alves de Oliveira
Teólogo, Psicólogo e Mestre em Ciências da Religião